CUIDAR DE SI
PARA MELHOR VIVER
Samuel Macêdo Guimarães
O campo do movimento humano é mais amplo do que percebemos, certamente, reconhecem-se múltiplas
condições culturais como fontes de infinitas expressões, nessa forma de existir.
Sem a possibilidade do se-movimentar, talvez não pudéssemos ser esta espécie cheia de
alternativas.
Nesse campo, precisamos reconhecer que uma das coisas que mais causam
esgotamento são os gestos essencialmente mecânicos, nos enclausuram em formas
destituídas de amplitude expressiva e da alegria genuína. Um bom exemplo
são as vivências e experiências corporais voltadas para a questão de um
aprendizado de técnicas corporais, tem seu valor específico, mas em contrapartida, produzem estereótipos. Maneiras e modos de ser dentro de alguma linguagem corporal.
Sempre observo o movimentar-se
das pessoas no campus universitários, nas avenidas, ginásios, piscinas, campos
de futebol etc. Nessas observações é possível perceber a diferença do grau de
satisfação das pessoas, por meio da espontaneidade de como se movimentam,
expressando gestos de prazer. Ou o oposto, um corpo contraído pela tensão da dor
ou pela pressão interna ou externa na busca de um movimento sob função orientada ou até mesmo autocentrada.
Gosto de observar e refletir
sobre os gestos aparecidos nos movimentos corporais das pessoas. Fazer a leitura
que se revela na observação da maneira como as pessoas andam, por exemplo. Sempre procurando um significado na forma como cada pessoa
desenvolve o seu andar, normalmente percebo o quanto é singular a maneira de andar de cada pessoa, seja jovem,
idoso, gordo ou magro, homem ou mulher.
Na condição de trabalhador da
corporeidade nos últimos 20 anos, posso afirmar que o gesto resultante do
movimentar-se das pessoas, de uma forma geral, vai se modificando ao longo do
tempo. Sempre em direção à perda de expressividade, vivacidade e ganho de
tensões antinaturais. Para a mim sempre se parecem como uma carga adicional.
Essa
carga vai sendo acumulada em virtude de múltiplas causas tais como: processo
coercivo na educação em geral, processo normativo do gesto, experiências
vividas sem prazer, bloqueios adquiridos no dia-a-dia, envelhecimento, perda de
autonomia, condicionamentos, hábitos e atitudes diversas, entre outras.
Dessas múltiplas causas,
quero direcionar uma reflexão para a que considero de valor primário para o
desenvolvimento de uma consciência corporal que respeite a condição
humana, baseada na autocrítica, gerada do diálogo, autonomia, engajamento orgânico e emancipação nutridas pelas alteridades, princípio basilar de produção de novas subjetividades. A essa causa vou denominar de cuidado
de si.
O cuidado de si é uma tarefa para ser realizada durante toda a vida, não é uma invenção filosófica. Foi um preceito de vida muito valorizado na Grécia
antiga. Fala especialmente para mim, de uma recusa em aceitar a repressão de
hábitos e costumes de massa que nos sugestiona recusar o que somos, diante do que é ofertado pelos estereótipos, como únicas alternativas. Dessa forma corremos o risco de nos sujeitar, de nos desconstruirmos
da condição de ator da nossa própria vida. Pelo cuidado de si parece ser possível nos libertarmos dos
tipos de ações recorrentes, oriundas de mundo externo com referenciais reificadores.
Apresento
o cuidado de si como referencial para a vida mais autônoma e cooperativa. Não
há de negar-se à solidariedade. Uma atitude para instituir-se de espírito, romper
com a tradição pastoral e desvincular-se do processo sufocante de massificação.
É importante questionar o que se passa na cabeça daqueles que desconhecem o cuidado de si e acreditam que todas as coisas só acontecem geradas de
referenciais externos a si mesmos, no comodismo do se-movimentar sem estabelecer sentido e significados para tal. O cuidado de si exige auto-responsabilidade baseada no
critério da auto-observação e de referências valendo-se de relações históricas em uma cultura gerada pelas relações humanas em todos os níveis.
Em todos os fóruns de
instância universal nota-se a preocupação constante com a Educação. Estamos
contemporaneamente num espaço social que se configura, como um espaço de
passagem para construção de novas perspectivas de construção de corporeidades. Já não conhecemos mais o mundo que temos e nem
sabemos também o mundo que iremos encontrar.
Este processo de passagem de um
mundo para o outro tem se apresentado como um processo altamente cansativo, em
função das inumeráveis alterações do mundo da vida cotidiana, como conseqüência
de um dos efeitos negativos da sociedade informática, o de não produzir oportunidades de experiências sensíveis. Cada gesto corre o risco de ser enlatado em forma de mais uma tecnologia corporal para preencher o vazio do consumismo.
Podemos refletir que tal processo tem produzido diversas formas de mal estar e por mais que queiramos,
nosso corpo não está a altura para suportar todo este cansaço gerado pela
constante busca de adaptação a sistemas cada vez mais exigentes, com
características performáticas, que em si mesmos, conduzem as pessoas a níveis
mais próximos da exploração. Exploração essa que pode ser até mesmo: ─ Uma falta de cuidado de si.
Penso que isto ocorre em
função de condicionamentos associados a uma busca por certa forma de
produtividade baseada em uma ética que exige que tenhamos corpos mais treinados para
sermos, cada vez mais, melhor explorados. Daí nossos corpos, pelo próprio
desenvolvimento do conhecimento técnico e pelas exigências atuais, talvez estejam fisicamente mais sãos, cada vez
mais eficientes e temos conseguido nos aproximar desta melhor eficiência.
Essa forma de avanço, então, sugere uma forma de
desconhecimento de si, pois, a promoção da competência performática não melhora
a nossa humanidade. E podemos então fazer algumas perguntas para verificar se o
aumento de conhecimento também aumentou o nosso bem estar, ou seja: Por que a
violência aumenta? Por que a solução para uma vida melhor não chega pelo aumento performático? Por que o bem estar não é tratado como uma prioridade
universal e um direito humano?
Sendo assim, só nos resta a
possibilidade de assumir com coragem a nossa precariedade, através do exercício
da autocrítica. Esta autocrítica é cuidar de Si. É a ousadia de querer pensar o
que está acontecendo conosco a partir do próprio viver no dia-a-dia. Das nossas
experiências diretas com o mundo da vida. Necessitamos caminhar em direção a um
abrir-se para o cuidar de si, pois o perigo principal é estar vivo e sem
qualquer consciência.
Nesse sentido, tenho como campo de estudos as vivências e experiências corporais, a vida que eu tento viver, um exercício
que me torne possível encontrar um sentido possível para a vida, pois, na hipótese
de ser performatizado, não posso ser insensível. Não posso ser apenas um campo de produção.
Posso certamente, reconhecer que sou um ser inconcluso na impermanência do
saber ou do não saber.
O que não se pode permitir é
a falta de consideração para consigo, sem isso, o outro que está próximo também não é ppercebido. Não nos permitir a ficar insensível para os problemas de ordem
afetivo social no mundo da nossa vida. Não perder o senso de harmonia com o
todo, e contribuir para construção de uma autoimagem produzida a partir de uma
relação mais harmoniosa comigo mesmo, com o outro e com o mundo. Buscar uma re-significação
do saber viver, se é possível sabê-lo, referenciado no cuidar de si para melhor conviver.