quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A DESCONCERTANTE LINGUAGEM DA EXPERIÊNCIA CORPORAL

Samuel Macêdo Guimarães
samuelmacedoguimaraes@gmail.com


A corporeidade é um espaço de probabilidades e possibilidades concreto, muito vivo. A realidade, condição primeira, causa e motivação da nossa experiência. Ela é a expressão, no aqui-agora, da essência de todas as experiências do ser humano.
Poderia ser considerada uma “memória vivida”, muitas vezes também influenciada pelas não vividas. Uma expressão do vivo, paradoxalmente constituído do vivido e do não vivido, em que se torna desconcertante suprimir a “elegante dialética” dos eruditos, pois é corpo e alma a um só tempo. Alma e corpo em constante diálogo, em busca de uma forma para refletir a realidade do momento necessário.
Espaço de probabilidades e possibilidades no qual se pode buscar a convivência com as contradições do dualismo. O contraste entre totalidade e individualidade, no qual se faz e se desfaz em presença e movimento, seguindo em direção ao desenvolvimento humano.
A real confirmação desse caminho é a própria corporeidade como ato incorporado, encarnado, feito carne. O se movimentar da própria biologia que transcende através da vivência e se torna experiência.
Nesse processo nada poderia ser adequado se o elemento “talento” não é levado em conta. A consolidação da relação entre vivência e experiência reside nas relações em que o ser feito corpo-no-mundo, aprende e apreende. Mas, também expressa sua natureza mais interior.
Essa apreensão exige que o pensar, sentir e agir se organizem na certeza de que todo viver e todo conviver resulta do percebido, do compreendido, pois o real está carregado de ideologias e as ações do passado contidas na estrutura presente do corpo.
Uma estrutura presente de corpo-no-mundo vivendo e suprimindo conflitos, contradições e limites. Homens e Mulheres, almas-corpos que presentificados como corpos-no-mundo se comprometem, alienam, trabalham, sofrem, amam etc.
Todas essas, e outras formas de ser-estar-no-mundo fazem parte de cada um de nós e se concretizam em nós enquanto corporeidade. Se mostram, revelam e desnudam diante da desconcertante linguagem da existência, situando-nos em algum lugar no tempo e espaço da nossa história.
No processo da busca de autoconhecimento, é necessário que se tenha alguma noção de onde nascem essas expressões, para que se possa distinguir aquilo que se destaca como contribuição das experiências adquiridas por nossas vivências, daquilo que é um conjunto de reflexões ou de discursos herdados sem nenhuma relação com a nossa história pessoal ou coletiva.
Vamos colocar essas reflexões no mundo prático: vejamos, por exemplo, no esporte. Não existem iguais a Pelé, Oscar, Daiane, Hortência, Ayrton Senna. Isto também é verdadeiro para a linguagem da experiência corporal. Isto é verdadeiro também para você que lê este texto. Você é único. Duas pessoas fazem o mesmo movimento tecnicamente perfeito, mas cada uma tem uma expressividade diferente.
Por essas considerações, podemos refletir que todas as nossas vivências implicam em emoções e sentimentos, se faz necessário uma compreensão de dimensão pessoal e da nossa relação com a realidade.
Esses sentimentos e emoções influenciam a nossa forma de pensar e são sem dúvida, aspectos que nos aproximam ou nos afastam de alguma forma expressiva, que se faz linguagem. Uma desconcertante linguagem, pois presume a mesma forma de expressão de uma impressão digital, é exclusiva e nos revela como somos.
Assim, a corporeidade só pode ser experimentada baseada em suas vivências. Essas vivências corporais são também vivências da consciência. O próprio dualismo travestido de corpo, se expressando de forma consciente ou inconsciente.
No mundo da experiência corporal, cada um é a sua própria linguagem, um território a ser descoberto com suas potencialidades, qualidades e defeitos, com sua geografia e história. Uma biologia que transcende a noção de substância e se apropria da oportunidade de se expressar no mundo das relações.
O conjunto desses elementos nos oportuniza fazer e perceber o mundo das nossas relações de acordo com nossas potencialidades e aptidões. Capacita-nos a visões mais contextualizadas com a realidade do que aquela proveniente da percepção, apenas captada pelos órgãos dos sentidos.
Portanto no que diz respeito a linguagem que se mostra, gerada da mesma vivência, mas que produz um diferencial que é atributo de quem o faz, deve-se sempre estar atento a não ultrapassarmos os limites da realidade. Pois ao assim fazermos poderá expressar linguagens dissociadas da vida de quem o faz. Será uma imitação, uma cópia qualquer.
Por tudo isso dito, é que reitero a impossibilidade da homogeneidade, reitero as alteridades, as diferenças nas quais devemos aprender a nos relacionar, pois nas relações humanas o que se deveria buscar é a apreensão amorosa das diferenças. 
 Buscar uma antropologia do corpo que perceba o ser humano na sua totalidade e que considere como possibilidade, uma vivência que nos favoreça nos tornarmos cada vez mais humanos, apesar de todas as diferenças e da desconcertante linguagem da experiência corporal.